Massificação e Libertação: Alternativas da Grécia e do Oriente para o Mundo Atual

O mundo. Tão doce, e ao mesmo tempo, tão assustador. Aparentemente tão feliz, e ao mesmo tempo tão triste. Tão libertador, e ao mesmo tempo aprisionador. Vivemos aprisionados pelo mundo, mas simplesmente não percebemos. Vivemos como se a vida fosse a mais natural possível, como se tivéssemos um tremendo autoconhecimento e agíssemos com ética e justiça em absolutamente todas as situações. Incorruptíveis. Ao mesmo tempo em que enchemos a boca para dizer que também erramos, temos uma extrema dificuldade em assumir falhas. Paradoxais. Como se libertar dessa prisão chamada mundo?

Já dizia Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo, e conhecerás os deuses e o universo”. Confúcio também dizia que, para mudar o mundo, é necessário mudar a si mesmo. No entanto, é muito difícil para um ser humano admitir que não se conhece. Temos a falsa sensação de que nos conhecemos por completo, mas na verdade recebemos uma carga altíssima de influências exteriores e, sem nem perceber, reagimos a essas influências e nosso estado de ânimo é intensamente afetado por elas, assim como comportamentos, pensamentos e ações. Através dessa carga externa e das experiências passadas, formamos opiniões e crenças pessoais, que acreditamos ser a mais absoluta das verdades.

Sêneca, em seu livro “Tranquilidade da alma”, afirma: “Morremos seguindo o exemplo dos demais. A saída é nos separarmos da massa e ficarmos a salvo. Em se tratando de assuntos humanos, não é bom que as coisas melhores agradem à maioria. A multidão é argumento negativo. Tem-se que encontrar, portanto, uma saída para a liberdade. É a natureza quem deve nos guiar. A ela se dirige a razão em busca de conselho. Que o homem não se deixe corromper nem dominar pelas coisas exteriores e somente olhe para si mesmo, que confie em seu espírito e esteja preparado para o que o destino lhe envie, isto é, que seja o próprio artífice de sua vida.”.

Observamos muito, por exemplo, a sociedade criticar os políticos e o governo. No entanto, pequenas corrupções também são cometidas pela mesma, ainda que aparentem “inofensivas”. O ser humano, em especial no país em que vivemos, possui uma cultura muito antiga de levar vantagem em todas as situações possíveis e, por conta disso e outros fatores, a ética praticamente não existe mais. Onde a encontramos hoje? Quase em lugar nenhum. E o mais assustador é que a falta de ética tem se tornado algo trivial, aliás, a vantagem a qualquer custo, inclusive passando por cima da ética, é praticamente um comportamento de massa!

Costumo dizer que o mundo anda muito estranho. De fato, anda. As pessoas não se conhecem mais, não sabem qual sua essência, agem como animais seguindo animais, sem raciocínio, sem consciência crítica. Como esperarmos justiça de um mundo assim, totalmente sem parâmetros, referências, valores e princípios? De acordo com Platão, no seu clássico “A República”, a definição de justiça se dá da seguinte forma, básica e resumidamente: dar a cada um o que lhe é próprio segundo a natureza de seus atos. Vamos adentrar neste assunto.

Atualmente, a formação do ser humano está voltada para a escolha da profissão. Existe todo um mecanismo de ingresso escolar, estudos, formação, vestibular, e posterior eleição da profissão a ser exercida. Se essa formação estivesse voltada para a busca da essência, do interior, a vocação viria naturalmente. Antes de se formar como profissional é necessário descobrir quem se é. A justiça é a base para todas as virtudes, dentre as quais a alma humana possui três: temperança (agir independentemente da dor ou do prazer); coragem (agir mesmo com medo); e sabedoria (ou prudência – decidir com acerto). O conceito de dar a cada um aquilo que lhe é próprio está relacionado a um sistema educacional a fim de orientar cada pessoa segundo suas aptidões. Os que possuem temperança deveriam dedicar-se à agricultura, à produção, ao artesanato e ao comércio, cuidando da subsistência da cidade; os que possuem coragem constituiriam a guarda, a defesa da cidade, são os guerreiros; e os sábios seriam aqueles que estudam a filosofia, para elevação da alma, a fim de atingir o conhecimento mais puro e a fonte de toda a verdade, a estes caberia à administração da cidade. Dentro disto, pode-se concluir que a atitude do justo é de trabalhar dentro de suas aptidões. Para se formar um estado justo, é necessário, antes de tudo, que seus cidadãos sejam justos. A formação da população determinará como será o estado. Cada um deve ser direcionado segundo suas capacidades, desenvolvendo virtudes que lhes são próprias e adequadas para o que fazem.

Contudo, a formação escolar hoje é voltada totalmente para a posterior escolha da profissão. No que isso implica? Em um mundo altamente materialista, direcionado para a busca do emprego que paga mais, onde a criança nasce, e desde que se concebe a ideia de ser humano dentro de si, é pressionada a estudar matérias e matérias, e ao longo de seu crescimento deve eleger uma profissão, para conseguir, logo mais, um estágio, ser efetivado, subir de cargo, e cada vez ganhar mais, e mais, e mais. Onde fica o autoconhecimento dentro disso tudo? Onde fica o conhecimento da essência, das aptidões, do que realmente somos designados a fazer? Como esperar justiça de um mundo que não se conhece, ou que acha que se conhece?

Todas estas questões estão relacionadas. E tudo sempre cai dentro do ponto de nos voltarmos para nós mesmos, olharmos nosso interior, descobrirmos nossas potencialidades, desenvolvê-las junto às nossas virtudes, e cultivar nossos valores e princípios. Isso é o ser humano efetivamente.

Existe algo que nos atrapalha muito nessa busca por nós mesmos chamado paixão. Apaixonamos-nos pelo externo, por coisas mutáveis, por dinheiro, pessoas, status, fama, reconhecimento, casas, carros, roupas, celulares, redes sociais, ostentações, e diversos outros elementos superficiais. No livro Bhagavad Gita, da religião hindu, afirma-se: “A paixão é a causa da perturbação mental e da temeridade: estas trazem a confusão e a perda da memória (das verdades já reconhecidas); da perda da memória resulta a perda da razão, e, com isso, perde-se o homem totalmente. Mas quem, senhor de si mesmo, encontra os objetos dos sentidos, sem a eles anelar e sem deles fugir, esse alcança a Paz. E na paz que é superior a todo intelecto, ele encontra a sua libertação de todas as aflições e dores da vida. Quando, porém, a sua mente está livre destes elementos de inquietação, fica aberta ao influxo da sabedoria e da ciência.”.

É muito difícil se liberar destas paixões, porém é necessário. Quem é apaixonado por coisas externas, fúteis e superficiais está fadado aos picos de prazer e sofrimento, pois estas coisas são mutáveis, passageiras. Parece que somos livres, mas na verdade somos escravos de instintos, desejos e ansiedades que atormentam nosso estado de ânimo e não nos deixam em paz.

Segundo Aristóteles, a ética pode ser definida como uma busca da felicidade dentro do âmbito do ser humano se este homem se esforçar a atingir sua excelência, ou seja, se tornar uma pessoa virtuosa. Na concepção aristotélica, a noção de felicidade está ligada intrinsecamente à ética e assim é caracterizada como “ética eudaimônica”, isto é, a felicidade possui papel central na ética. Ela consiste na realização humana e no sucesso daquilo que o homem pretende obter ou fazer e assim ele o faz no seu mais alto grau em excelência humana, ou seja, para ele chegar onde deseja desenvolve suas virtudes, suas qualidades de caráter a qual possibilitarão atingir sua excelência e isto em si já supõe uma “ética perfeita”.

Através de um estudo comparativo entre a noção de justiça segundo Platão e o conceito de ética segundo Aristóteles, podemos verificar que ambos mencionam a virtude em suas definições. O desenvolvimento de virtudes, unido ao autoconhecimento e à evolução de potencialidades são grandes ferramentas de libertação do mundo atual. O ser humano precisa conhecer-se para libertar-se. Temos um universo maravilhoso dentro de nós que mal conhecemos. Se tirarmos a profissão, os bens, os amigos, as redes sociais, o dinheiro, a personalidade, toda essa parte externa, o que resta dentro de nós? É para esse interior que devemos olhar, é nele que devemos nos apegar. É extremamente difícil viver em um mundo onde somos tão facilmente influenciados, seria necessário um nível de sabedoria praticamente elevadíssimo para viver sem contaminação nenhuma com o mundo externo, sem esses estímulos externos que geram medo, dúvida, insegurança, ansiedade, ódio, raiva e uma série de sensações ruins dentro da mente/coração.

Mas o importante é estar sempre em busca de sabedoria. Para se autoconhecer, lidar com nossos sentimentos, emoções, mente de desejos, mente pura, mente concreta, enfim, toda a constituição septenária interior do homem, e conhecer o mundo também. Para desenvolver nossas virtudes, atuar sem esperar nada em troca, fazer o bem apenas pelo ato em si, agir com ética, justiça. Dizem que tudo isso é muito bonito no papel e que na prática fica muito difícil, ainda mais em uma época de perda total de valores e princípios. Sim, de fato é. Contudo, aquela felicidade que o ser humano tanto busca está justamente em seu interior, e, para alcançá-la, é necessário todo um trabalho e um grande esforço de autoconhecimento e transformação. Não é nada fácil, porém é a chave para a saída da caverna, do mito de Platão.

As pessoas afirmam que os filósofos são muito idealistas, sonhadores. Que o mundo está fadado ao fracasso, ao abismo, que já não há mais esperanças, valores, princípios, ética, moral, que nada vai mudar, que tudo está perdido. Bem ou mal, o mundo ainda está “vivo”. Pequenas ações aqui, outras ali, e idealistas vão se multiplicando, aos poucos, sem fazer barulho. Em silêncio, cada sonhador faz sua parte e ilumina um pouco o mundo. O ser humano pode muito bem se conformar com a situação atual e continuar vivendo dentro dessa massa, aprisionado em opiniões prontas. Ou simplesmente pode optar por ser diferente, e sair da caverna, para depois voltar, e chamar os outros. Cada um decide.